Por Luiz Carlos
Amorim – Escritor, editor e revisor – Http://www.luizcarlosamorim.blogspot.com.br
A moda agora é “reescrever” clássicos da literatura “para
torná-los mais inteligíveis, mais acessíveis para as gerações atuais”. Tomara
que não peque, mas foi o que fez Patrícia Seco, com a obra “O Alienista”, de
Machado de Assis, para “facilitar” a leitura aos leitores iniciantes. Vejam com
quem ela foi se meter. Será que ninguém disse a ela, nunca, que alterar a obra
de outrem é plágio, é adulteração, é crime? E o Ministério da Cultura, que
avalizou a coisa, não percebeu o absurdo?
Foram impressos nada menos do que 600 mil exemplares de “O
Alienista”, que serão distribuídos pelo Instituto Brasil Leitor a escolas e
bibliotecas. Além do livro de Machado de Assis – ou deveria dizer do Mestre em
“parceria” com Patricia Secco? - que será lançado neste mês de junho, em
homenagem – homenagem? – ao aniversário de nascimento do escritor ícone da
literatura brasileira, em 21 de junho, outro livro também foi liberado pelo
Ministério da Cultura para ser “reescrito” e publicado: “A Pata da Gazela”, de
José de Alencar. O maior nome da literatura nacional não merecia esse
desrespeito, ainda mais na época do seu aniversário.
Pois é, tem o dedinho do Ministério da Cultura neste angu,
pois foi ele que liberou a captação de recursos com lei de incentivo para a
“co-autora” – para não ser delegante vamos dizer “co-autora” – publicar os dois
livros já citados. É isso, os seiscentos mil livros da obra machadiana
adulterada foram impressos com o
dinheiro público. A mutilação da obra de Machado de Assis e José de Alencar
está sendo patrocinado por nós, com o suado dinheiro que pagamos de impostos,
dos mais caros do mundo, com a bênção do Ministério da Cultura. E havia mais, o
projeto previa, ainda, “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo e “Memórias de um
Sargento de Milícias”, de Manuel Antonio Almeida. Esperemos que Mec ponha a mão
na cabeça e volte atrás, impedindo que o despropósito se repita com as outras
três obras.
Será que, além de cometer a irresponsabilidade de adulterar
a obra do grande Machado de Assis, a dona Patrícia está consciente de que está
dizendo para as pessoas que não precisam mais consultar o dicionário? Ela facilita
ao leitor iniciante, para que ele receba tudo mastigado e não precise pensar. Ela
percebeu que está tornando muitas pessoas incapazes de ler os clássicos, porque
resolveu decretar a inutilidade dos dicionários? Isso é justo? Isso é
inteligente? Isso é conhecer um clássico da nossa literatura? Clássico que não
será mais clássico, depois que passar pela “facilitação” de dona Patrícia, é
claro. Incentivar o não uso do dicionário é defasar ainda mais o ensino em
nossas escolas e fora delas. A educação brasileira já vem sendo sucateado o
bastante pelos nossos governante, não precisamos de mais ajuda para isso.
Nossos leitores em formação, sejam jovens ou não, precisam
aprender a usar o dicionário, precisam habituar-se a consultá-lo sempre, para
exercer uma leitura plena de compreensão de qualquer texto. Não podemos
desencorajar o hábito de recorrer sempre ao dicionário, pois não é só para o
texto dos clássicos que precisamos adotá-lo, temos que tê-l o sempre por perto
para qualquer dúvida que haja em qualquer enunciado, seja literatura ou
qualquer outro tipo de texto. Isso significa compreensão do que se lê, significa
letramento, significa ampliação de vocabulário, significa aprendizado.
Não é desculpa para mudar a obra de outrem, o fato de que
seu texto contenha palavras mais rebuscadas ou fora de uso, no presente caso
por ter sido escrito em uma época diferente da nossa. Dicionário existe para
isso, para nos dar o significado de palavras que não conhecemos. E tem que ser
usado para isso. Dicionário é aquele livro que pode até ficar ensebado, com
orelhas de burro pelo uso intenso. E uma obra literária tem que ser lida no
original, nunca através de “resumos” e “reescrituras facilitadoras”, que só
deturpam o texto escrito pelo autor verdadeiro, dono absoluto do que ele
escreveu, não importa quanto tempo tenha passado.
Não estou julgando a obra da escritora, destinada ao público
infanto-juvenil, em absoluto. Eu não conheço a obra dela, que deve ser
excelente, pois são mais de duzentos e cinquenta livros publicados. Mas a ideia
da “simplificação” das obras de autores consagrados, ícones da nossa
literatura, foi muito infeliz.
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