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quarta-feira, 6 de setembro de 2017
domingo, 3 de setembro de 2017
O CHEIRO DA POESIA ou COMO SER BOCÓ
Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e
revisor – Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completa 37 anos
de literatura neste ano de 2017. Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de
Letras. http://www.prosapoesiaecia.xpg.uol.com.br
– http://luizcarlosamorim.blogspot.com.br
A minha
amiga poeta - poetisa, eu sei – Rita Marilia,
recentemente me fez redescobrir o nosso grande, incomensurável poeta Manoel de
Barros. Fazia um tempo que eu não lia o poeta e ela me trouxe de novo todo o
encamentamento que é mergulhar na poesia lúdica e ao mesmo tempo tão densa e
profunda, tão verdadeira e original, tão lírica e tão sensível desse poeta tão
poeta. Ela me ensinou a recriar a poesia do poeta com coração e alma de criança
e eu então, descobri toda a plenitude, toda a completude da poesia de Barros. E
eu agradeço muito, muito, por isso.
E Rita Marília, que
de tanto amar a poesia e o poeta, acabou estabelecendo uma ligação
extradimensional com ele, e eis que nos encanta com um texto que parece quase
brotar dos dedos e da sensibilidade de Manoel de Barros. Essa comunhão, como
diria ela mesma, me arrepia.
O poeta diz
tudo, diz além de tudo, transcende a palavra e dá-lhe significados novos,
inusitados, veste-a de sentimentos
maiores e de emoções mais fortes. Tipo assim: “No descomeço era o verbo.
/ Só depois é que veio o delírio do verbo. / O delírio do verbo estava no
começo, lá / onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. ” Quem mais
escutaria o som da cor dos passarinhos, a não ser o poeta-criança? Quem, quem?
Ou então: “Eu penso / renovar o homem / usando borboletas.” Quintana, também, poeta. Acho que vocês dois
andam fazendo poesia juntos, no céu dos poetas. Dêem um abraço em Júlio de
Queiroz por mim.
Ou “Hoje eu desenho o cheiro das árvores.” E esse desenho não será nada menos que lindo. “Em
poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que
pegar delírio.” Ninguém mais diria isso de forma mais poética. “Poesia é quando
a tarde está competente para dálias. / É quando / Ao lado de um pardal o dia
dorme antes. / Quando o homem faz sua primeira lagartixa. / É quando um trevo
assume a noite / E um sapo engole as auroras.” Ah, poeta, esse é o conceito
supremo da poesia.
E mais, e mais, e muito mais eu dividiria, que o poeta é
amplo, é interminável. E eu fico aqui, me poesiando
com a poesia desse mestre. Em tempo: poesiar
quer dizer “ser poesia”. Eu tento. Não sei se vou conseguir, algum dia,
pois a poesia já é Manoel de Barros, Pessoa, Quintana, Coralina, Júlio de
Queiroz… Então, como me atrevo?
E eis que a poeta Rita Marília vem e se transmuta, sem deixar
de ser ela mesma, e se poesia. Seu
texto “Ser bocó” começa assim: “Quando me escondo na lua de lata e o vento me empina como pandorga,
minha cabeça salta de estrela em estrela para pegar uma e amarrar na cabeleira
do cometa.” Preciso dizer alguma coisa? E nessa vibe, como diria Gabriel, vai
nos encantando: “Quem é bocó corre atrás dos versos e salta por cima dos números
ímpares. Quem não é, sabe contar até dez.” E termina assim: “Minha trisavó é
vizinha d’um tal homem de barro chamado Manuel. Ela disse que ele disse que eu
sou bocó porque minha alma não expandiu ainda.”
E eu, ah, eu me calo.Só pra sentir a
poesia e a alma pulando de estrela em estrela.
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