Por Luiz Carlos Amorim - Escritor - http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br/
Hoje é o Dia do Índio. Não há muito o que comemorar, pois nossos índios, aqueles que ainda sobrevivem, vivem à margem, abandonados, discriminados. Então transcrevo o texto do meu livro infantil "Flecha Dourada":
Era uma vez um indiozinho, pequeno e inteligente, que vivia feliz em sua tribo, no meio da floresta, sem casa de tijolos, sem eletricidade, sem carros, sem água encanada, sem poluição nem roupas para cobrir-lhe a pele. Nem à escola ele ia, porque os índios, desde pequenos, aprendem tudo o que vão precisar para viver com os seus pais e com as pessoas da tribo mais velhas que ele.
Seu nome era Flecha Dourada. Ele não conhecia televisão, mas brincava muito, pois os índios pequenos como Flecha Dourada aprendem as coisas brincando.
Ele brincava nas árvores, que respeitava, como se deve respeitar um ser vivo: aprendera a cuidar delas, pois os índios só as cortam para fazer as ocas, onde vivem, e para fazer artefatos, como cumbucas ou tigelas, arco e flecha, canoas e outros objetos de adorno ou para sua sobrevivência. Além disso, elas servem de casa para os pássaros, dão sombra quando o sol brilha forte, mantém o ar que respiramos sempre puro e dão frutas que são o seu alimento.
Brincava nos rios, de águas limpas, de onde também tiravam água para beber e onde pescavam os peixes para comer. Flecha Dourada sabia que não devia jogar nenhum tipo de lixo nas águas do rio, para não poluí-lo e não deixá-lo morrer.
Brincava no meio das plantações de mandioca, fonte de alimento, pois com ela faziam farinha e biju. Além disso, eles comiam as frutas que havia em abundância, além dos peixes e da caça, que existia em grande quantidade.
Brincava também com os animais e as aves, suas amigas, pois era com eles que dividiam a floresta, sua casa.
Os índios só matavam aves ou animais para comer.
A tribo de Flecha Dourada não tinha religião, como a nossa, mas eles acreditavam numa força superior e a adoravam em forma de totens, esculturas feitas em troncos de árvores, trovões e alguns animais.
Eles sabiam fazer verdadeiras obras de arte, coisas que nós, brancos, chamamos de artesanato, como cestos de cipó, arcos e flechas e outros artefatos de madeira e também de pedra, como machadas, canoas, as ocas e tantas outras coisas, que a cultura indígena era rica e muito diversificada. Eles sabiam fazer tudo aquilo de que precisavam.
Não conheciam o homem branco, ou seja, nós, as pessoas da cidade, de pele mais clara do que a deles. Para eles, o mundo era aquela floresta, onde viviam: a sua floresta. E eram felizes assim.
Um dia, no entanto, apareceram na tribo alguns homens diferentes: cobertos de panos, cabelos engraçados, muitos pelos pelo corpo, enfeites estranhos, como coisas brilhantes penduradas no braço, coisas brilhantes no rosto, etc. Traziam muitos objetos que Flecha Dourada nunca tinha visto antes. Falavam uma língua que ele e os outros índios da tribo não entendiam. Fumavam não o cachimbo do Pajé, mas um canudo branco. Bebiam não o líquido fermentado que a tribo fazia, mas alguma coisa de cheiro muito forte que saía de um pote brilhante, não de barro como os índios faziam, mas de garrafas de vidro.
Traziam pequenas caixas pretas, que apontavam para todas as direções, soltando pequenos relâmpagos e faziam "clic", um ruído engraçado.
Todas aquelas novidades tumultuavam a vida tranqüila da tribo. Os homens brancos ensinavam hábitos novos aos homens da tribo, fazendo-os provar da sua bebida, mostrando-lhes objetos pesados de metal que imitavam o trovão e que depois Flecha Dourada entendeu serem armas poderosas. Os homens brancos presenteavam bugigangas e faziam os índios provarem comidas novas e prontas, confundindo os costumes tradicionais.
Flecha Dourada a tudo observava e pensou:
- Nós não precisamos de tudo isso. Nós já temos tudo o que precisamos.
E ele tinha razão. Aqueles homens brancos foram embora, mas outros vieram, pois agora sabiam o caminho. E os índios já não podiam mais ter a vida pura, tranqüila e feliz de até então: agora havia os costumes brancos, diferentes e nem sempre bons. Até doenças novas eles trouxeram, como a gripe, que antes não conheciam e que podia matá-los, já que não tinham nenhuma defesa contra ela.
Os índios ficavam doentes, os homens brancos traziam remédios e junto com os remédios outros costumes brancos e mais homens brancos. A tribo não era mais a mesma com aquela invasão que estavam sofrendo. A sociedade dos índios, perfeita e sábia, em comunhão com a natureza, estava se perdendo.
Flecha Dourada chorou.
- Por quê o homem branco não era igual ao índio? – perguntava – O que será de nós, agora, se não somos nem índios nem brancos?
Ninguém respondeu. Apenas um soluço doído e o pio de uma ave solidária com a sua dor se ouviu.
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IRMÃO ÍNDIO
Luiz Carlos Amorim
Cadê teu espaço,
tua terra?
Onde está a tua liberdade?
O homem branco veio,
invadiu teu chão, tua casa,
ensinou a mentira,
descaracterizou o teu povo,
desmanchou a sociedade perfeita
que a tua gente tinha...
Marginalizaram-te,
Índio irmão,
Tu, o brasileiro legítimo,
único dono destas terras
tupiniquins...
Estão te exterminando,
Índio Irmão,
e não te deixarão, jamais,
voltar a ser o que foste...
Tiraram-te a Pátria,
expulsaram-te da terra,
apressaram o teu fim...
Inspirados, tocantes, o conto e o poema !
ResponderExcluirCom certeza vão 'conversar com o coração' de nossas crianças, e dos adultos que lerem para elas !
muito bonita legal veio
ResponderExcluirEstou fazendo um plano de aula para as turmas do oitavo ano, no qual usarei uma de suas poesias para contextualizar a "conquista ou descoberta" do Brasil tentando desconstruir a ideia de que não havia indios no Rio Grande do sul quando a Coroa enviou os imigrantes para a ocupação. Gostei muito de seu blog. Agradeço e parabenizo pelas poesias.
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