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segunda-feira, 8 de junho de 2009

O LIVRO ILEGÍVEL

Por Luiz Carlos Amorim (escritor e editor – http://br.geocities.com/prosapoesiaecia )

Li recentemente “Sambaqui”, o mais recente romance de Urda Alice Klueger, livro que recomendo, e depois acabei de ler “1808”, livro do jornalista Laurentino Gomes, que tem o curioso subtítulo “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”. O livro é resultado de dez anos de pesquisa investigativa e resgata um pouco da história da corte portuguesa no Brasil, da verdadeira história, não aquilo que lemos nos livros didáticos, superficiais e vagos. Vale a pena ler o livro com suas 414 páginas, para saber como e porque a família real portuguesa fugiu para o Brasil e como foi o reinado de D. João VI, um rei gordo e comilão, ainda que bonachão, que tinha medo de tomar decisões, mas que se manteve no poder. E as transformações que o Brasil sofreu com a “invasão” dos portugueses, que culminaram com a nossa independência. É curioso, interessante e divertido. O autor conseguiu fazer com que uma narrativa histórica tomasse ares de romance, com um tom leve e agradável.
Antes de ler esses dois bons livros, já tinha começado a ler “Ulysses”, de James Joyce, mas como o livro havia se revelado hermético desde o início – eu havia conseguido ler as primeiras cento e cinqüenta páginas, com muito custo – resolvi me dar uma folga. Como prometi a mim mesmo que iria ler aquele livro até o fim, tentei retomar a leitura.
Tenho o livro há anos, mas como ele tem oitocentos e cinqüenta e duas páginas, só há pouco tempo resolvi lê-lo, porque afinal de contas, ele é um clássico. E me decepcionei. Já li outros tantos clássicos da literatura universal, como Germinal, de Zola, O Sol Também se Levanta, de Hemingway, As Vinhas da Ira, de Steinbeck, A Idade da Razão, de Sastre, A Peste, de Camus, O Precesso, de Kafka, e outros, mas nenhum foi tão difícil, tão ruim como Ulysses.
Depois de umas quantas páginas, ao perceber que não havia uma história, apenas um amontoado de trechos de conversas sem muito sentido e um emaranhado de descrições e narrativas enfadonhas feitas por narradores diferentes, sem linearidade, que mudam de repente e não se sabe quem está contando a história (história?), além de invenção de palavras, palavras valise, erros de composição, ausência de pontuação em muitos trechos, repetição à exaustão do termo “no que”, que poderia ser substituído por “então”, “ao mesmo tempo” e tantas outras expressões e muito uso de citações em línguas diferentes, resolvi pesquisar para saber o que diziam da obra.
Fiquei sabendo que o livro carrega, desde que foi publicado a primeira vez, a fama de não ter sido lido até o fim por ninguém. Antonio Houaiss tinha uma nova versão revisada da tradução de “Ulysses”, antes de morrer, sinal de que para ele fora muito difícil o trabalho de verter para o português um texto onde proliferam aglutinações de palavras (valises) e uso de outros idiomas, mais de vinte deles, além do inglês. Soube que há, ainda, outras traduções para o português, mas desconfio que parte da má qualidade do texto se deve às tentativas de verter tão complicado livro para a nossa língua. Como traduzir um texto tão grande, coalhado de palavras aglutinadas, outras inventadas, além de citações em outras línguas, sem cometer equívocos? Sem contar que o vocabulário era o do começo do século passado. Era uma obra diferente, difícil, sem qualquer possibilidade de prender o leitor, que revolucionou os meios literários da época justamente por quebrar todos os padrões literários então vigentes.
Fui ler a apresentação do romance no volume que tenho, publicado em 1983, para tentar descobrir porque ele é tido como um clássico literário. Lá encontrei que “A ação de “Ulysses” transcorre em Dublin num único dia, 16 de julho de 1904. A divisão ternária, em perfeita simetria, evoca as significações cabalísticas do três. Estudos de lingüística, com auxílio de computador, dão “Ulysses” como a obra de estrutura matematicamente mais perfeita de toda a literatura.” (Então por isso é um clássico? Como nós, leitores comuns, pobres mortais, poderíamos saber disso? E o que interessa isso para o leitor? Mas tem mais.)
“A linguagem utilizada por Joyce, que vai do poema à ópera, do sermão à farsa, contém não apenas termos usuais – da prosa clássica a mais grosseira gíria (de 1921?) – mas também elementos criados pelo escritor com base em seus conhecimentos de latim, grego, sânscrito e mais dezenas de outros idiomas.”
Apesar disso, acho mesmo que “Ulysses” é um clássico e continua sendo publicado porque Joyce pretendeu fazer um paralelo com a “Odisséia” de Homero, segundo consta da mesma apresentação, cuja parte transcrevi acima. As personagens centrais de ‘Ulysses” teriam correspondência com os protagonistas da epopéia grega.
Não pude comprovar isso, pois o texto é desinteressante, disperso, cansativo, o tipo da leitura que não desperta curiosidade nenhuma, não faz com que se tenha vontade de continuar lendo. A gente lê um parágrafo e quando começa o seguinte já esqueceu totalmente o que havia no anterior. O romance (?) não prende o leitor e estou fadado a não contrariar a fama do livro de não haver quem o tenha lido até o final. Tento ler mais, mas o progresso é lento e a esperança de que o texto melhore se revela vã. Serei mais um a engrossar as fileiras dos que não conseguiram terminar a leitura do calhamaço entupido de estilos e de pretensões diversos. Por falar nisso, o autor confessa que imita, neste livro, estilos de dezenas de grandes escritores da sua época e de antes dele.
Então leio mais algumas páginas e leio “O Caçador de Pipas”, “A Menina que Roubava Livros” e “Crime e Castigo” para compensar. Talvez ainda volte a ler mais algumas páginas de “Ulysses”. Nada me atrai para lá, mas quem sabe?

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